sexta-feira, 5 de julho de 2013

São João 3 - Continuando no dia 23

Nas primeiras 12 horas do plantão seguinte, domingo, não atendi chamados. Tirei a manhã e a tarde para organizar os dados do plantão anterior (cinco levantamentos). Foram quase 90 fotografias por exame em locais que distavam em média 90 quilômetros da capital (total de 446 fotos e 448 km percorridos).

Até então a média mensal de levantamentos não era tão alta. Fiz em um plantão o que não havia feito em todo o mês de maio!

Número de levantamentos ao mês (até a manhã do dia 23 de junho).

No meio da noite apareceu um chamado para Murici. E, ao finalizar os exames, chamaram para a cidade seguinte: São José da Laje. Ambos homicídios por arma de fogo.

LOCAL 01 (21h40) - Homicídio em Murici.


Observem que o isolamento do local foi executado por delimitação física, utilizando sinalizadores específicos (fita zebrada e cones) em um formato quadrangular. É o formato básico mais recomendado, mas tem suas considerações. (Veja ainda: Isolamento em local de crime - debate teórico).

A construção do menor perímetro para definir uma área de proteção é o triângulo. E nisso ele leva vantagem pela praticidade.


O quadrado se aproxima de uma circunferência, mas na prática ninguém vai abrir um círculo ao redor dos vestígios (não é apenas ao redor do cadáver!).

Fitas zebradas e cones conseguem definir uma boa área quadrangular. A única exigência para iniciar um bom isolamento de local de crime é estabelecer uma distância mínima do último vestígio detectado.


É neste momento que a delimitação em triângulo impõe enormes dificuldades. Não dá para garantir um bom distanciamento de uma das faces do triângulo para o último vestígio. O quadrado, por outro lado, estabelecido um distanciamento adequado (recomendamos pelo menos cinco metros) impede aproximações indevidas de curiosos e permite que o policial, p. ex., possa vigiar a circulação e aproximação de pessoas.

Outra vantagem do isolamento quadrangular com distanciamento adequado desde o último vestígio identificado é permitir a circulação interna da equipe pericial sem comprometer a integridade dos vestígios.


O isolamento em triângulo só oferece três regiões mais afastadas dos vestígios (que pode não se limitar apenas ao cadáver!) e ainda assim com poucas possibilidades de trânsito livre entre estas áreas. Já o quadrado, feito com bom distanciamento do último vestígio, oferece uma visão de 360 graus com boa possibilidade de preservação dos vestígios durante a circulação interna.

Enfatize-se que o distanciamento do cordão de isolamento deve ser "adequado" e alguns desses critérios são: a) garantir inacessibilidade de curiosos a qualquer dos vestígios; b) permitir a administração do local pela polícia; c) preservar os vestígios pelo próprio afastamento; d) permitir o trabalho dos peritos criminais, dentre outros.

Série de escarificações sobre o pavimento do logradouro.

Neste local a vítima chegou a ser alvejada quando já deitada no chão. Isso deixou marcas de impacto de projéteis de arma de fogo contra o pavimento da rua por uma área relativamente grande.

Enquanto estes vestígios são de firme fixação no suporte (talvez pudessem até suportar trânsito sobre eles), outros podem ser bem frágeis (foto abaixo).

Fragmento de dente sobre o asfalto.

No registro de um dos ferimentos utilizei dois tipos de iluminação com uso do mesmo flash embutido da câmera fotográfica. Flash direto e rebatido (com uso da prancheta). Vejam os resultados abaixo.

Teste de iluminação durante a fotografia.

Detalhe mostrando as diferenças de iluminação.

Novo exemplo de detalhe (clique na imagem para ampliar).

O controle de brancos estava no automático, por isso, provavelmente, no flash direto o controle manteve o branco. Com o rebatimento o controle "esquentou" a imagem (enfatizou o vermelho).

Obviamente nem todos os locais são de fácil administração da luz durante as fotografias. Estávamos no período noturno, sem chuva e com aglomeração de curiosos relativamente bem contidos. Foi possível fazer ao menos este teste.

Ainda constatamos um encamisamento de projétil dentro das vestes da vítima e detectamos um fragmento mínimo de chumbo sob as roupas.

Encamisamento de projétil de arma de fogo.


Não é tão difícil encontrar os encamisamentos de projéteis, embora os lugares onde podemos encontrá-los são os mais diversos possíveis! Interessante foi constatar o fragmento de chumbo. Mínimo, entre as roupas. O que sugere quão minuciosos podemos e, às vezes, precisamos ser em locais de crime.

LOCAL 02 (23h45) - Homicídio em São José da Laje.

Na saída do município de Murici, nos informaram de outro homicídio no município seguinte, seguindo a mesma rodovia. Foi apenas uma questão de ligar para a base e confirmar o novo levantamento.

Homicídio por arma de fogo e o inadequado isolamento "triangular".

 Novamente enfrentei o problema de registrar um ferimento perfurocontuso sob o couro cabeludo (foto abaixo).


Mas em compensação os ferimentos na face estavam bem caracterizados, principalmente pela tênue zona de deposição de grânulos de pólvora incombusta (efeitos secundários do disparo de arma de fogo).

Disparo de arma de fogo na extremidade do nariz.


Imaginem que a identificação sutil desses grânulos define o disparo a curta distância. Uma manipulação intensa pela equipe do IML e posterior lavagem do cadáver na mesa de exame necroscópico pode inevitavelmente destruir esses vestígios e eventualmente se perde a certeza desse tipo de ação violenta.

Terminamos o levantamento à 01h18 e chegamos no Instituto de Criminalística às 02h30.

Não demorei 24 minutos para sair novamente...

4 comentários:

  1. Boa tarde! Meu nome é Simeão, trabalho em Belo Horizonte na área de segurança privada.
    Eu tive acesso ao seu blog, li várias matérias e fiquei impressionado com o conteúdo muito completo, muito didático.
    Gostaria de sanar uma dúvida com relação ao isolamento de local de crime:
    -Um exemplo ilustra mais: um policial que chega a um local de crime (homicídio por exemplo), ou mesmo um vigilante dentro da empresa, deve isolar o local do crime.
    Se houver algum vestígio fora do isolamento que possa ser levado por transeuntes, ou até danificados de forma total por intemperes do tempo, pela falta de efetivo no local para fazer esses isolamentos e essa contenção de curiosos, pode o agente de segurança recolhe-lo, usando luvas de procedimento, de forma que não se percam ali digitais ou outras marcas para fins periciais? E tão logo chegue o perito entregue a ele e reporte a maneira e o motivo pelo qual foi feito o recolhimento.

    Existe alguma irregularidade nesse ato?

    Existe algum motivo que realmente valha para fazer esses recolhimento ou ele é totalmente irregular?

    Poderia deixar que esses vestigos se perdessem por não poder protege-los?

    Desde de já agradeço!

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  2. Simeão, veja publicação específica que fiz para responder a este seu questionamento.

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    1. Segue link atual: http://periciacriminalalagoana.blogspot.com.br/2013/12/seguranca-privada-e-isolamento-de-local.html

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