quinta-feira, 27 de junho de 2013

São João 2 - as 12 horas noturnas

Durante a manhã e parte da tarde, eu e o motorista Manoel Messias atendemos três locais na região do Agreste: uma colisão de veículos em São Sebastião, um homicídio em Lagoa da Canoa e outro em Igaci. (Veja em: São João 1 - as primeiras 12 horas de plantão).

Messias conduzindo a viatura.

Saímos do IC às 8h48 e retornamos às 16h27, então em 7 horas e 39 minutos percorremos 396,6 km atendendo três locais.

Ao chegar no IC fiz a baixa de todos os dados (GPS, fotos e informações do relatório de plantão). Nos moldes já explicados anteriormente. (Veja em: O laudo pericial - rotina prática). É preciso manter as memórias eletrônicas livres e as baterias carregadas para os próximos atendimentos (GPS, câmera e lanternas). E eles vieram...

SAÍDA DA EQUIPE (À NOITE).

Itinerário para os dois locais na região metropolitana.

Atravessando a ponte Divaldo Suruagy (acesso para Ilha de Santa Rita e litoral Sul).

LOCAL 04 (23h31) - Homicídio no Povoado Santa Rita.

Acesso ao local e viatura na parte alta.

O cadáver encontrava-se entre os casebres, às margens da rodovia BR-424. A vítima, após suportar o início da ação violenta (disparos de arma de fogo) foi perseguida até tombar. Isso quase sempre deixa manchas de sangue produzidas por gotejamento sobre o solo. Mas pense num solo argiloso e encharcado (margens da lagoa). As manchas infiltram-se, diluem-se e se confundem com a cor da argila. Também some a isto o fato de ser noite! Não é muito fácil visualizar (foto abaixo).

Manchas sobre o solo úmido (aplicação de filtros para impressão de fotos).
Posicionamento diferenciado do cadáver (apoio pelos joelhos e peito).

A vítima suportou vários disparos de arma de fogo. Um par desses ferimentos apresentavam características firmes de entrada e saída com dedução lógica do trajeto interno e por isso vale a pena mencionar por imagens (abaixo).

Correspondência lógica entre dois ferimentos.

Detalhamento dos orifícios de entrada e saída.
Perceba-se acima que a entrada possui a zona equimótica ausente na saída.


Justificadamente a saída possui dimensão menor que a entrada, pois a entrada do projétil se deu de forma oblíqua ao plano da pele (formato elíptico regular) e o de saída de forma ortogonal ou perpendicular.



Observar ainda que a comparação dos ferimentos é possível pelo fato de ter sido feita a "medição" dos assuntos fotografados com a aposição da escala adequada. O corte da imagem possui a mesma dimensão nas duas fotografias.

Dali partimos para o segundo local dentro do mesmo município.

LOCAL 05 (00h31) - Homicídio em Marechal Deodoro.

Último atendimento do plantão do dia 22 (madrugada do dia 23).

Quem passava pelo local, num primeiro olhar, pensaria tratar-se de colisão veículo X bicicleta, mas na verdade a vítima transitava na bicicleta quando foi alvejado por três disparos de arma de fogo.


Apesar da iluminação pública no local, as condições de luminosidade nem sempre são favoráveis. É preciso o uso de lanternas fortes para vasculhar vestígios e ferimentos. Neste aspecto é interessante verificar que o que vemos em fotografias não é necessariamente o que vemos no local (foto abaixo).

Diferenças de fontes de luz.

Quando utilizamos lanternas, estas nos fornecem apenas uma pequena área de luminosidade ótima. Nosso olhar e manipulação deve andar com esta pequena circunferência clara. É como se fosse uma "janela". Tudo ao redor fica um pouco mais escuro.

O flash da câmera difunde uma luz muito clara em uma área muito maior e isso facilita na hora da fotografia. Mas também só para ela! Por isso alguns vestígios só percebemos depois, no seu conjunto fotografado.

Além disso existe a "temperatura" da luz. A lanterna de LED nem sempre fornece o contraste interessante que o flash (mais branco) oferece. Mesmo sendo as duas fontes "brancas". Então, sabendo disso, constato determinados vestígios por minuciosa busca (geralmente manchas de sangue) e tiro fotografias panorâmicas que sei que serão "percebidas" pelo contraste oferecido pelo flash.

Vale dizer que issos só funciona à noite. Sob o sol a técnica é outra!

Três disparos de arma de fogo contra a vítima.

Acima já se percebe a falta da escala na última foto. Tive dificuldades por causa das características do cabelo, encarapinhado e denso.

A deontologia do trabalho manda registrar os achados criminalísticos de modo irrefutável dentro das técnicas disponíveis. Se o perito constata ferimentos, possui ele a "fé de ofício" de ser acreditado no que viu. Mas, com tanto avanço técnico, é indiscutível que ele pode perfeitamente "provar" seus achados.

As fotografias gerais já possuem esse objetivo. Ilustram para o julgador, o que foi percebido pelo perito. Mas fotografar como um jornalista faria para noticiar um crime não é o bastante. É preciso ir além.

No caso presente, existe uma técnica que é a de raspar o cabelo nas proximidades do ferimento e revelar seus detalhes, mas não é uma prática em Alagoas. Outros colegas fazem isso em outros Estados.

Na ausência de recomendação técnica específica, amarguei ilustrar apenas a localização do ferimento de entrada de arma de fogo. Mas é um ponto altamente interessante para se discutir e regulamentar.

Estas ressalvas valem apenas para exame em local de crime. Em se tratando de exames necroscópicos, todos esses obstáculos são vencidos.

Final dos exames - fixação da pulseira de identificação.

Retornamos para o IC à 1h29 da manhã do dia 23. Consegui dormir cerca de 3 horas para iniciar o segundo plantão.

3 comentários:

  1. Cara, sou Perito Técnico de Policia na Bahia, lotado na região de porto seguro, onde o índice de homicídios está muito alto. To acostumado em ir para locais com o Criminal. To deixando esta postagem para parabenizar pelo blog....uma verdadeira aula de criminalística, principalmente de local de crime contra a vida e uso da maquina fotográfica. Parabéns. Agora me diga...vc é só local, ou tb faz outras pericias? e se faz como arruma tempo???? kkkkk abs.

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  2. Olá colega! Realmente tempo é uma coisa que às vezes faz falta. Há 11 (onze) anos sou perito criminal da seção de perícias externas. E aqui fazemos de tudo um pouco. Alguns exames são destinados para a seção interna (documentos, papiloscopia, leitura de disco-diagrama), no entanto, sou meio ansioso e termina que eu mesmo faço alguns destes exames para complementar meu laudo de local de crime. Espero esmiuçar um pouco mais essas atividades nas próximas publicações. Abraços!

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  3. QUE BLOG FABULOSO! Não o deixem morrer!

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